Cérebro toma decisões como se fosse um computador

Diante da necessidade de tomar uma decisão, o cérebro humano analisa as evidências disponíveis em busca da escolha mais acertada, produzindo um sentimento de confiança na sua avaliação. Este sentimento, embora subjetivo, baseia-se em cálculos estatísticos objetivos. A conclusão é de um estudo de pesquisadores do Laboratório de Cold Spring Harbor, nos EUA, e do Laboratório de Sistemas em Neurociência de Lendület, na Hungria, descrito no periódico científico “Neuron”. De acordo com os especialistas, portanto, apesar das muitas provas da falibilidade humana, a nossa tomada de decisões leva em conta um processamento de informações semelhante à forma de trabalhar de um computador.

— Na sua forma última, o sentimento (de confiança) tem como base os mesmos cálculos estatísticos que um computador realizaria — explica o pesquisador Adam Kepecs, professor de neurociência da instituição americana.

Segundo Kepecs, o desenvolvimento de um modelo de avaliação do sentimento de confiança, realizado por seu estudo, é o primeiro passo rumo ao objetivo final: descobrir a região do cérebro onde fica este nosso “estatístico interno” e como o órgão processa os dados recebidos. De acordo com os cientistas, a investigação promete trazer avanços não só para a neurociência como para a estatística e, principalmente, para o aprendizado de máquinas na busca pela criação de uma inteligência artificial.

PARALISADOS DIANTE DA DÚVIDA

Para isso, porém, Kepecs teve que buscar estudos anteriores que indicavam que o sentimento de confiança é decorrente de aproximações e simplificações provenientes da forma como trabalha nosso cérebro. Estas hipóteses são usadas para explicar por que a confiança estaria tão sujeita a nos induzir a erros. O pesquisador, no entanto, desconfiava que essa imagem não poderia estar certa, já que, se o sentimento fosse tão falho assim, ficaríamos como que paralisados diante de qualquer dúvida.

— As pessoas frequentemente se focam nas situações em que a confiança está divorciada da realidade — destaca. — Mas sempre que tomamos uma decisão, precisamos da confiança. Assim, se não tivéssemos um mecanismo acurado que geralmente estivesse certo, teríamos enormes dificuldades para corrigir nossas decisões ou fazer apostas.

Assim, para determinar se o sentimento de confiança poderia ser construído a partir de cálculos objetivos, Kepecs e o estudante de graduação do laboratório Joshua Sanders criaram jogos para comparar performances humanas e de computadores. Num experimento, voluntários ouviam sons entremeados por cliques e tinham que determinar quais sons tinham cliques mais rápidos. Os participantes, então, avaliavam suas escolhas em uma escala de um (chute completo) a cinco (alta confiabilidade). Kepecs e seus colegas descobriram que as respostas humanas eram similares a cálculos objetivos. A confiança em relação às respostas acompanhava a própria taxa de acerto. Eles concluíram, então, que o cérebro produz esses sentimentos de confiança que formulam decisões a partir de estatísticas.

— Se pudermos quantificar as evidências que baseiam a decisão da pessoa, poderemos então questionar o desempenho de um algoritmo estatístico diante das mesmas evidências — conta Kepecs, acrescentando que as respostas dos humanos foram similares às dadas pelos cálculos estatísticos, com o cérebro produzindo o sentimento de confiança da mesma forma que os algoritmos identificaram os padrões em meio ao ruído nos dados.

MELHORES QUE COMPUTADORES

O modelo para avaliação da confiança construído pelos pesquisadores se manteve válido em um experimento posterior. Neste, um outro grupo de voluntários respondeu a questões de comparação da população de vários países, que foram apresentados a eles em duplas. Os participantes, então, deveriam indicar qual país tinha mais habitantes. À diferença da experiência anterior, baseada simplesmente na percepção, esta segunda proposta dependia do próprio conhecimento acumulado pelos voluntários anteriormente. Mas, apesar disso, os resultados seguiram aqueles encontrados no primeiro experimento, com o nível de confiança subindo juntamente com a taxa de acerto.

Ainda assim, Kepecs ressalta que os cálculos estatísticos feitos pelo cérebro revelados no estudo provavelmente são apenas um primeiro indicador de como o nosso órgão processa as decisões que tomamos.

— A confiança humana não é equivalente à computação — comenta o cientista. — Nos experimentos que conduzimos, a confiança espelha esta computação, mas suspeitamos de que em situações mais complexas os cálculos estatísticos sejam apenas o ponto de partida para a construção da confiança.

Ter uma teoria sobre o sentimento de confiança, segundo o pesquisador, é um primeiro passo necessário para desvendar como o cérebro de fato faz isso e como os neurônios agem neste processo:

— Afinal, seres humanos ainda são melhores que computadores na solução de problemas realmente difíceis.

Fonte: O Globo