SÃO PAULO. Com estudos feitos em organoides celulares conhecidos como “minicérebros”, um grupo de cientistas brasileiros mostrou como uma substância psicodélica produz alterações benéficas em circuitos cerebrais associados à neuroplasticidade, à inflamação e à neurodegeneração. A pesquisa, publicada na última segunda-feira na revista “Scientific Reports”, é a primeira a revelar as alterações que drogas psicodélicas causam no funcionamento molecular do tecido neural humano.
Segundo os autores, os resultados ajudam a explicar os efeitos antidepressivos e anti-inflamatórios que as substâncias psicodélicas vêm mostrando em diversos outros estudos. No experimento, os cientistas utilizaram o 5-MeO-DMT, um composto da família da dimetiltriptamina, presente em drogas psicodélicas como o MDMA, o LSD e o chá de ayahuasca – uma planta da Amazônia utilizada ritualmente por indígenas para produzir estados alterados de consciência.
“Pela primeira vez, pudemos descrever mudanças relacionadas a psicodélicos no funcionamento do tecido neural humano”, disse o autor principal do estudo, Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor).
As drogas psicodélicas estão ganhando cada vez mais espaço nas pesquisas em laboratórios de pesquisas. Diversos grupos internacionais têm feito estudos e experimentos com essas substâncias a fim de desenvolver terapias para problemas psiquiátricos como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático e para a dependência de drogas como álcool, cocaína, heroína e crack.
Apesar dos resultados promissores em um número cada vez maior de pesquisas, a identificação dos circuitos moleculares envolvidos na ação dos psicodélicos no cérebro era limitada pelas restrições para estudos com essas substâncias e pela falta de ferramentas biológicas apropriadas.
Metodologia. Para estudar os efeitos do DMT, Vania Dakic, do Idor, e Juliana Minardi Nascimento, do Idor e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), expuseram os organoides cerebrais – culturas de células neurais tridimensionais que imitam um cérebro em desenvolvimento – a uma única dose do psicodélico.
Depois de receber a substância, os minicérebros foram submetidos a uma análise proteômica – isto é, um mapeamento do conjunto de proteínas neles presentes – com uma técnica de espectrometria de massas. Eles conseguiram observar alterações na expressão de cerca de mil proteínas e identificaram o papel delas no cérebro humano.
Efeitos positivos. Os cientistas descobriram que proteínas importantes para a formação das sinapses tiveram uma regulação positiva – entre elas, proteínas relacionadas aos mecanismos celulares de aprendizado e memória, que são componentes centrais do funcionamento do cérebro.
Por outro lado, proteínas envolvidas em inflamação, degeneração e lesão cerebral tiveram uma regulação negativa, sugerindo que a substância psicodélica tem um potencial papel de proteção neural.
“Os resultados sugerem que os psicodélicos clássicos são poderosos indutores da neuroplasticidade – uma ferramenta de transformação psicobiológica sobre a qual sabemos muito pouco”, disse outro dos autores do novo estudo, Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro, ligado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
“O estudo sugere possíveis mecanismos pelos quais essas substâncias exercem seus efeitos antidepressivos, que temos observado em nossas pesquisas”, afirmou outro dos autores, Draulio Araújo, professor da UFRN.
Importância. “Nosso estudo reforça o potencial clínico dessas substâncias que merecem total atenção das comunidades médica e científica”, diz Draulio Araújo.
Estudo britânico e o elo com sonhos
– Aprender sobre o que acontece com o cérebro sob a influência de drogas psicodélicas pode ajudar a entender os seus possíveis usos.
– Em julho deste ano, um estudo feito por pesquisadores do Imperial College foi publicado no “Human Brain Mapping”.
– O pesquisadores britânicos injetaram LSD em 15 voluntários — todos com experiência prévia no consumo de psilocibina — e os submeteram a exames de ressonância magnética.
– Os testes mostraram que, sob o efeito da substância, houve um aumento da atividade nas regiões mais primitivas do cérebro, como o hipocampo e o córtex cingulado anterior, e relacionadas à memória e às emoções. O resultado apresentou padrão semelhante ao visto durante os sonhos.
Fonte: O Tempo