A mudança acentuada de humor é uma das características mais marcantes do transtorno bipolar. O problema tem causa desconhecida, mas acredita-se que alterações cerebrais podem estar envolvidas. Seguindo essa linha, cientistas da Universidade da Califórnia do Sul, nos Estados Unidos, fizeram a maior análise cerebral que se tem notícia em pessoas acometidas pela doença e detectaram modificações em áreas ligadas à inibição e à motivação. O trabalho, publicado na revista Molecular Psychiatry, além de ajudar no maior entendimento do transtorno, poderá resultar no desenvolvimento de novos tratamentos.
“As pessoas com transtorno bipolar têm alterações cerebrais semelhantes? Essa é uma dúvida que pairava sobre nossas cabeças. Para desvendar essa questão, reunimos informações de todo o mundo, usando varreduras cerebrais para mapear o cérebro bipolar”, conta ao Correio Paul Thompson, coautor do estudo. Com a ajuda de aparelhos de ressonância magnética, a equipe analisou o cérebro de 6.503 adultos voluntários. Desses, 2.447 tinham o transtorno bipolar.
Pela análise do material, Thompson e os colegas detectaram redução de matéria cinzenta (formada pelo corpo dos neurônios) em partes do cérebro que controlam a inibição e a motivação — as regiões frontal e temporal, respectivamente — nas pessoas acometidas pelo transtorno. Aquelas que também apresentavam histórico de psicose tinham deficits ainda maiores. “Vimos duas diferenças principais no cérebro bipolar, nem todos seguem esse padrão, mas, em média, os pacientes bipolares tendem a ter uma anormalidade estrutural nas regiões cerebrais frontais envolvidas no autocontrole. Isso pode explicar alguns sintomas maníacos”, explica o investigador.
O sistema límbico — tratado como o centro das emoções cerebrais — também tinha alterações acusadas pelos exames de imagem, complicação detectada em outros trabalhos feitos pela equipe de investigadores. “Vimos uma redução no tecido cerebral nessa área do cérebro ligada a sentimentos de tristeza e impotência. Percebemos isso também na depressão em um estudo de imagem que fizemos sobre a doença com quase 10.000 pessoas”, conta Thompson.
Tratamento
Para João Armando, psiquiatra do Instituto Castro e Santos, em Goiânia, o trabalho norte-americano traz respaldo científico para uma condição percebida pelos médicos no dia a dia. “É o que vemos, as pessoas com esse transtorno têm problemas de inibição e de motivação”, ressalta o especialista. “Outro ponto que reforça essa alteração biológica é sabermos que os pacientes que interrompem o tratamento farmacológico a longo prazo, mesmo quando estão bem, podem sofrer surtos justamente por terem essas alterações neurológicas.”
Geralmente, o tratamento para o transtorno bipolar combina a ingestão de estabilizadores de humor e antipsicóticos com um suporte psicoterápico. Embora muitos pacientes possam ser tratados ambulatorialmente, a mania ou a depressão graves, condições características da doença, às vezes demandam internação.
Para os investigadores norte-americanos, os resultados atingidos poderão ajudar no desenvolvimento de mais pesquisas que busquem entender e tratar melhor o transtorno bipolar. “É útil ter um mapa de regiões cerebrais que mostram anormalidades de determinada doença. Com isso, podemos comparar tratamentos para ver quais fazem a diferença, por exemplo. Podemos também pesquisar o DNA das pessoas enfermas para ver quais genes podem ser prejudiciais ou protetores. Focalizar sobre as áreas afetadas será de grande ajuda para compreender os fatores que promovem ou resistem à doença”, detalha Thompson.
Remédios
Os cientistas continuam se dedicando à pesquisa. Agora, com o foco em medicamentos. “Estamos estudando quais os remédios e os tratamentos que ajudam os pacientes bipolares. Nem todo mundo responde bem ao tratamento, e queremos encontrar terapêuticas que funcionem melhor, queremos entender por que certos remédios funcionam para algumas pessoas e não para outras”, adianta o investigador.
João Armando também acredita que frutos da pesquisa possam surgir na área de medicamentos. “Essa é uma doença muito difícil de ser tratada, e esse trabalho pode ser uma semente para novos recursos nessa área, o que também é um grande desafio, pois a farmacologia voltada para o tratamento desse transtorno não é completamente eficaz”, pondera o psiquiatra. “Essa seria também uma possibilidade de analisar melhor os remédios utilizados, saber se eles têm agido nessas áreas com deficit e, dessa forma, aperfeiçoá-los”, sugere.
É útil ter um mapa de regiões cerebrais que mostram anormalidades de determinada doença. Com isso, podemos comparar tratamentos para ver quais fazem a diferença, por exemplo”, Raul Thompson, coautor do estudo e pesquisador da Universidade da Califórnia do Sul.
Fonte: Correio Braziliense