Acontece sempre: eu subo no ônibus, abro a bolsa, tiro a carteira, passo o cartão magnético no validador, giro a catraca, guardo o cartão e sento. Alguns minutos depois, sem explicação, eu me assusto. Onde está o cartão? Será que eu guardei ele? Será que caiu no chão?
Abro tudo de novo e, para minha surpresa, o cartão está lá, são e salvo. Mesmo que eu não me lembre de nada. De alguma maneira, enquanto eu viajava na maionese pensando no final de semana, meu cérebro passou pela catraca sozinho, sem que eu precisasse me dedicar conscientemente à tarefa.
Entre motoristas, me garantiram, acontece algo parecido: quem volta do trabalho há anos pelo mesmo caminho tem a sensação de simplesmente surgir em casa. Exemplos assim existem aos montes, e ilustram bem nosso “piloto automático” – a capacidade que o cérebro tem de realizar tarefas mecânicas repetitivas sem prestar atenção nelas.
Apesar do fenômeno em si ser familiar, suas bases neurológicas não eram conhecidas até a publicação deste artigo científico na última segunda (28). Nos experimentos, pesquisadores da Universidade de Cambridge colocaram 28 pessoas no interior de máquinas de ressonância magnética, e então ensinaram um jogo de cartas a elas. O jogo não foi apresentado de maneira formal. As regras precisavam ser deduzidas ao longo da partida, na base da tentativa e erro.
Parece bobo, mas deu certo: no começo, os voluntários precisavam se dedicar conscientemente a entender as regras. Nessa fase, foram detectados padrões cerebrais já conhecidos, que emergem quando estamos concentrados em aprender algo novo.
Depois de algumas rodadas, quando as cobaias já tinham se acostumado às regras, o cérebro parou de prestar atenção no jogo – e passou a tratá-lo como uma atividade de segundo plano. Foram detectados, nesse momento, outros padrões, correspondentes ao piloto automático.
Esse segundo conjunto de padrões, descobriram os cientistas, lembrava muito o de uma rede chamada DMN (default mode network, em português, “rede do modo padrão”).
Fonte: Superinteressante.com