Dr. Marcelo Prudente responde perguntas sobre o zika e a microcefalia

Em entrevista para a Revista Pense Leve, o Dr. Marcelo Prudente, do INMI, responde a questões sobre o Zika vírus e outras doenças relacionadas ao mosquito Aedes Aegypti. Confira:

Temos visto diversas notícias sobre a doença Zika e a microcefalia, mas o que de fato temos de concreto a respeito desta relação?
O Zika vírus têm seu nome a partir da floresta em Uganda onde foi pela primeira vez identificado em amostras de material colhido de  um macaco, em 1947. Em seguida se disseminou pelo Sudeste asiático onde foi associado a infecções esporádicas. O primeiro surto reconhecido foi nas ilhas Yap, que ficam no Pacífico Sul, em 2007. Nesse surto, mais de 70% da população com mais de 3 anos foi infectada, já havendo relatos de malformações do sistema nervoso em bebês nascidos durante o surto, embora nenhuma classificada como microcefalia. Em 2013 e 2014, um surto na Polinésia Francesa acometeu aproximadamente 32.000 pessoas, passando então à Ilha da Páscoa em fevereiro de 2014 e finalmente tendo o primeiro caso confirmado no Brasil em maio de 2015.

O que  sabemos por enquanto, é que:
– já existiam relatos  de casos de malformações de sistema nervoso em bebês nascidos durante o surto da Polinésia em 2013-2014
– o número de casos de microcefalia reportados no Brasil vinha em uma constante entre 130 e 170 casos/ano nos últimos 5 anos e, desde o início do surto, mais de 2400 casos já foram relatados, ou seja um aumento de 1600% nos casos suspeitos ou confirmados de microcefalia. A crítica a esse dado é que o número de notificações de casos suspeitos de microcefalia  pode ter aumentado pela simples conscientização dos profissionais de saúde quanto ao problema.
– a distribuição dos casos de microcefalia acompanha a distribuição geográfica dos casos de zika
– Recentemente, o Centers for Disease Control (entidade do Governo Norte Americano) testou amostras do tecido de dois fetos abortados espontaneamente e de dois bebês com microcefalia confirmada que faleceram logo após o parto. Todos os quatro casos eram originários do Brasil e tiveram testes positivos para a presença do Zika vírus, o que demostra que foram infectados durante a gravidez. As quatro mães relataram a presença de febre associada com alterações de pele durante a gestação.

Portanto, embora ainda não seja algo à prova de contestação, os indícios foram os suficientes para que a Organização Mundial de Saúde  e o CDC se manifestassem dizendo que a disseminação do vírus é “explosiva” e que o vírus é associado a complicações que justificam a decretação de uma situação de Emergência em Saude Pública de Atenção Internacional.

A microcefalia não é uma “novidade”, mas pouco se falava até esta relação. O que é a microcefalia e quais as consequências na vida da criança? Ela pode ter uma vida “normal” do ponto de vista motor e cognitivo ou as sequélas são sempre severas?
A microcefalia é a rigor definida pela circunferência de crânio menor que a da média populacional (no Brasil, segundo definição do Ministério da Saúde, perímetro craniano menor que 32 cm). Como o crescimento do crânio durante a gestação é consequência do desenvolvimento e consequente aumento de volume do tecido cerebral, o diagnóstico de microcefalia infere a presença de um cérebro malformado e de volume menor. Portanto a microcefalia é resultado do desenvolvimento anormal do cérebro no feto.
Além das infecções congênitas (intra útero), a microcefalia pode ser consequência de doenças genéticas, exposição da gestante a drogas, álcool ou outras toxinas ambientais. As consequências de longo prazo da microcefalia variam de acordo com a causa e severidade da exposição, podendo ocorrer desde atrasos sutis no desenvolvimento da criança, até déficits motores e intelectuais graves. Em um estudo de 212 crianças com diagnóstico confirmado de microcefalia, o QI diminuía conforme era menor o perímetro craniano, havendo QI médio de 35 pontos em crianças com microcefalia versus QI médio de 62 pontos em crianças sem o diagnóstico (Referência:  Pryor HB, Thelander H. Abnormally small head size and intellect in children. J Pediatr 1968; 73:593)

A microcefalia originária do Zika, caso exista de fato esta relação, se difere de alguma forma dos casos de microcefalia anteriormente descritos na literatura médica?
​Um relato da Força Tarefa em Embriopatia pelo Zika divulgado pela Sociedade Brasileira de Genética Médica analisou 37 casos de microcefalia em recém-nascidos. Dois casos foram excluídos do estudo por terem  outras causas identificadas para o problema (doença genética e infecção por citomegalovírus, respectivamente). Vinte e cinco crianças (74%) apresentavam microcefalia grave. Tomografias Computadorizadas demostravam calcificações no cérebro, as quais são normalmente porcausas infecciosas, associadas,  em um terço dos casos, a malformações do próprio tecido cerebral  que normalmente  são de causa genétic . Portanto em aproximadamente 1/3 desses casos estudados, a microcefalia apresenta características de malformações de causa infecciosa e genética ao mesmo tempo, o que não é usual.
É possível evitar a microcefalia?
Basicamente, havendo casos de origem genética na família, procurar aconselhamento com um médico geneticista.
Acompanhamento pré-natal rigoroso para evitar uso de substâncias e contato com infecções que possam levar a malformações e, no caso específico da Zika, medidas para prevenção da proliferação do mosquito e uso de repelentes adequados para a idade.

Recentemente vimos a relação também da síndrome de Guillain-Barré com o Zika vírus. O que é esta síndrome?
A síndrome de Guillain-Barré é uma doença pouco comum do Sistema Nervoso em que o sistema imunológico da própria pessoa passa a atacar as células nervosas causando fraqueza muscular e, por vezes, paralisia. Os sintomas incluem fraqueza progressiva de pernas e braços, comumente simultâneas em ambos os lados. Em alguns casos há fraqueza dos músculos da face, dos que controlam os movimentos oculares e da deglutição (engolir). Nos casos mais graves, a doença acomete os músculos responsáveis pelos movimentos respiratórios, o que pode levar à morte. Esses sintomas podem durar de poucas semanas até meses. Embora a maioria dos pacientes se recupere totalmente da síndrome, alguns apresentam sequelas , com mortalidade geral alcançando os 5%.
Ainda não se entende perfeitamente o que causa a síndrome mas a maioria dos pacientes que a desenvolve relatam a presença de alguma infecção bacteriana ou viral antes do início dos sintomas. Do mesmo modo que não podemos ainda estabelecer com absoluta certeza uma conexão entre a infecção pelo Zika vírus e microcefalia, também não podemos determinar de forma definitiva sua relação com a síndrome de Guillain-Barré. O que podemos afirmar é que o próprio Ministério da Saúde alertou para uma aumento de casos da síndrome em pacientes que foram infectados com o Zika vírus .

Toda gestante infectada terá um bebê com microcefalia? Isto é uma regra? A doença pode ser assintomática?
Os sintomas incluem febre baixa, erupções na pele, dor nas articulações, conjuntivite, dor muscular e dor de cabeça. Ocorrem de 2 a 12 dias após a picada do mosquito, durando entre dois a sete dias. Os sintomas ocorrem em apenas 20 a 25% dos indivíduos infectados, havendo desenvolvimento de imunidade ao vírus após a infecção. Quanto à chance da gestante infectada dar à luz a um bebê com microcefalia, ainda não sabemos. Aliás ainda não temos sequer absoluta certeza da relação de causa e efeito, embora seja muito sugestiva, conforme discutimos acima.

No caso da Chikungunya, existe algum tipo de sequela neurológica que ainda não sabemos? Ou das três doenças transmitidas pelo Aedes a única que provoca sequelas neurológicas é a Zika?
No caso da Chikungunya, a presença de manifestações neurológicas é considerada rara sendo descritos no entanto casos de meningoencefalites (infecção do tecido cerebral propriamente dito), síndrome de Guillain-Barré e inflamações do nervo óptico.