Uma nova pesquisa financiada pelo National Institutes of Health (agência governamental dos EUA de pesquisa de saúde) sugere que uma droga experimental pode retardar o dano cerebral causado por uma forma de esclerose múltipla, um distúrbio neurológico incurável que corrói a camada protetora do nosso sistema nervoso. Mas ainda não está claro se o medicamento pode melhorar significativamente os sintomas debilitantes que as vítimas da condição experimentam.
Os braços longos, ou fibras, da maioria dos neurônios são cobertos de algo chamado mielina. No entanto, a mielina não apenas protege nossas fibras nervosas, mas também impulsiona a velocidade dos sinais elétricos que os neurônios usam para se comunicar uns com os outros. Pessoas com esclerose múltipla têm um sistema imune amotinado, que destrói a mielina, causando estrago no sistema nervoso central. Esse dano aparece na forma de lesões e inflamação crônica, que, gradativamente, encolhem o tecido cerebral. Não existe uma causa clara para a esclerose múltipla, embora fatores como infecções e genética desempenhem um papel.
Os sintomas da esclerose múltipla, que incluem fraqueza muscular, fadiga constante e dificuldades ao caminhar, podem ser devastadores e imprevisíveis. A maioria das vítimas tem um ataque inicial agudo que dura alguns dias e então desaparece. A partir dali, as pessoas passam por surtos da doença, seguidos por remissões de meses ou até anos, sem manifestação dos sintomas. Mas cerca de 10% a 20% dos portadores de esclerose múltipla sofrem da forma primária progressiva da doença, ou seja, seus sintomas continuamente pioram desde o início, com alguns períodos de remissão (ou nenhum).
Existem alguns medicamentos disponíveis para tratar o primeiro tipo da doença, conhecido como esclerose múltipla remitente-recorrente. Essas drogas podem reduzir a frequência dos ataques, assim como sua gravidade. Mas, há décadas, a ajuda é pouca para pessoas com esclerose múltipla primária progressiva. Em 2017, o ocrelizumab, à base de anticorpos, se tornou o primeiro medicamento aprovado pela FDA (agência norte-americana equivalente à Anvisa) para ambas as formas da doença.
A droga experimental, conhecida como ibudilast, foi aprovada no Japão como medicamento para asma e tontura, mas nunca foi aprovada nos Estados Unidos para qualquer condição. Ela foi testada em um teste clínico de fase 2, chamado de SPRINT-MS. Mais de 250 pacientes com esclerose múltipla primária progressiva e secundária progressiva (um estágio posterior da doença que muitos dos portadores da forma remitente-recorrente desenvolvem em algum momento) foram designados aleatoriamente para tomar o ibudilast ou um placebo. Ambos os grupos tomaram seus medicamentos diariamente por quase dois anos, sendo rotineiramente sujeitados a escaneamentos cerebrais a cada seis meses.
Esses escaneamentos mostraram que as pessoas tomando ibudilast tiveram um encolhimento cerebral notavelmente menor do que aqueles que tomaram placebo. Em média, os pacientes sendo tratados com ibudilast tiveram uma perda de tecido cerebral de cerca de 2,5 milímetros a menos do que o grupo de controle, ou 50% de diferença na taxa de perda cerebral.
As descobertas foram publicadas na quinta-feira (30), no periódico New England Journal of Medicine.
“Essas descobertas oferecem um raio de esperança para pessoas com uma forma de esclerose múltipla que causa deficiência a longo prazo mas que não tem muitas opções de tratamento”, disse Walter J. Koroshetz, diretor do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame dos EUA, em um comunicado.
Testes de fase 2 não são feitos para nos dizer de forma definitiva se uma droga funciona, mas, sim, para saber se ela é segura para ser consumida por pacientes. E, nesse aspecto, o ibudilast também passou. As pessoas consumindo o remédio tiveram mais efeitos colaterais do que aquelas com o placebo, como dor de cabeça, depressão e sintomas gastrointestinais, mas eles foram, em grande parte, toleráveis. Entretanto, ainda não se sabe se as pessoas tomando ibudilast terão alguma melhoria em seus sintomas ou no funcionamento geral do cérebro. Essas questões vão, com sorte, ser respondidas em um futuro próximo.
“Nossa esperança é de que o benefício do ibudilast em retardar o encolhimento do cérebro também vá se traduzir em uma progressão diminuída de deficiências físicas associadas em um teste de fase 3 futuro”, disse o autor principal do estudo, Robert Fox, vice-presidente de pesquisa do Cleveland Clinic’s Neurological Institute, em Ohio, em um comunicado.
Nos Estados Unidos, estima-se que 400 mil pessoas atualmente têm esclerose múltipla, com mais de dois milhões de casos no mundo todo — no Brasil, são mais de 40 mil casos, segundo a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM). E, embora a doença não seja imediatamente fatal, portadores de esclerose múltipla vivem sete anos a menos que a média, frequentemente com uma qualidade de vida muito pior.
[New England Journal of Medicine via NIH]