Especialistas relacionam distúrbios mentais a problemas no intestino

Há muito tempo a Medicina conhece a íntima relação entre o cérebro e o intestino, um órgão extremamente complexo, com mais de 100 milhões de neurônios e que fabrica e armazena 95% da serotonina do organismo. Porém, cada vez mais, os especialistas vêm obtendo evidências de que o bom funcionamento da flora ou microbiota intestinal, influencia o comportamento e a qualidade da saúde mental.

Cientistas vêm fazendo descobertas surpreendentes sobre essa comunicação entre o intestino e o cérebro nos últimos anos. Muitos estudos relacionam distúrbios neuropsiquiátricos, como a depressão, a ansiedade e o stress, até mesmo o autismo, a esquizofrenia, o Mal de Alzheimer e de Parkinson, a problemas da flora ou microbiota intestinal.

Dr. Delson José da Silva, chefe do serviço de neurologia e neurocirurgia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), trabalha com uma linha de pesquisa sobre essa questão. “Estudamos como as bactérias e as substâncias que elas produzem podem prejudicar o cérebro. O intestino tem uma colonização maior de bactérias que o resto do organismo. E quando há um desequilíbrio da microbiota, há um afluxo maior de produtos nocivos causados por essas bactérias. Eles penetram no cérebro e podem resultar em doenças neurológicas”,  explica.

Psicomicrobiótica

Na França, os estudos na área da psicomicrobiótica vem evoluindo e trazendo resultados importantes. No hospital Henri-Mondor, na região parisiense, o psiquiatra Guillaume Fond, da Fundação FondaMental, coordena um projeto de análise da microbiota de pacientes com autismo e esquizofrenia, que têm sintomas desses distúrbios aliviados ao realizar uma dieta sem glúten. “Nas pessoas que sofrem de esquizofrenia, autismo e bipolaridade, encontramos uma permeabilidade maior do intestino, que deixa passar antígenos que vão incitar respostas do sistema imunitário da pessoa. Isso vai perturbar, em particular, o cérebro”, ressalta.

Analisando a microbiota de crianças autistas e seus irmãos, Fond relata que cientistas encontraram uma quantidade além do normal de algumas espécies de bactéria responsáveis por inflamações, que podem prejudicar o cérebro. “Por isso acreditamos que a alimentação poderia modificar a microbiota, acarretando, na infância e na adolescência, em problemas mentais relacionados ao mal funcionamento do cérebro”, complementa.

Reconstituição da flora intestinal

O neurologista Daniel Paes de Almeida dos Santos, da Academia Brasileira de Neurologia, pondera que muitos estudos ainda não apresentaram provas suficientes para comprovar sua eficácia. Mas acredita que há cada vez mais provas de que distúrbios neuropsiquiátricos podem ser controlados com uma alimentação saudável e com a reconstituição da flora intestinal.

O tratamento dura cerca de três meses, explica o especialista. “É feito com medicações probióticas, através das quais é possível reconstruir a flora intestinal que pode ter sido lesada por uma internação recente, em pacientes que passaram por quimioterapia, que fizeram um uso prolongado de antibióticos ou que têm uma alimentação inadequada”, diz.

Dr. Daniel ressalta que quanto menor a microbiota do intestino, maior são os sinais de ansiedade, depressão, medo e distúrbios psquiátricos relacionados a esses comportamentos. “Por isso, no dia-a-dia dos médicos, a reconstituição da flora intestinal dos pacientes é uma preocupação constante”, lembra.

Recomendações

Dr. Delson aconselha dietas ricas em fibras, com poucas gorduras e frutas e o cuidado com o balanço da flora intestinal. “Quando ocorre o desequilíbrio, que chamamos de disbiose, há um afluxo de processos inflamatórios que podem resultar em alterações cerebrais”, diz. O especialista também desaconselha o uso indiscriminado de antibióticos, substâncias que alteram o equilíbrio da flora intestinal e que podem prejudicar o funcionamento do cérebro.

Fonte: RFI