Um paciente que ficou paraplégico em 2013 após um acidente conseguiu se manter em pé e dar alguns passos sem assistência graças a um tratamento de estimulação elétrica em sua medula espinhal.
É o primeiro caso de caminhada independente de uma pessoa com paralisia completa dos membros inferiores após lesão na medula, segundo artigo publicado nesta segunda (24) na revista científica Nature Medicine.
Os pesquisadores afirmam que, mesmo com um diagnóstico de total perda do controle motor, ainda é possível encontrar conexões neurais intactas no local do ferimento, e esses vínculos podem ser excitados.
O tratamento do americano Jered Chinnock, 29, começou com 22 semanas de reabilitação física. Em seguida, ele recebeu o implante de um eletrodo —responsável pela estimulação elétrica e inicialmente destinado para terapia contra dor— no canal medular, abaixo da área lesionada.
O eletrodo tem comunicação sem fio com uma central, o que permite controle fino sobre local, frequência e duração da estimulação elétrica.
O estímulo aplicado precisa ser muito específico para ter efeito. “Uma estimulação aleatória não funciona”, afirmou em entrevista a jornalistas Kendall Lee, um dos pesquisadores responsáveis pela pesquisa.
Depois, o paciente passou por 43 semanas —cerca de 113 visitas durante um ano à Mayo Clinic, em Rochester, Minnesota (EUA) — de reabilitação multimodal junto à estimulação elétrica, que permitiu que os neurônios recebessem a sinalização da intenção de movimento.
“Isso nos mostra que essa rede de neurônios ainda pode funcionar depois da paralisia”, disse Lee, um dos pesquisadores responsáveis pela pesquisa.
Em uma esteira, o paciente conseguiu pisar e desenvolver uma caminhada somente com apoio dos próprios braços, sem assistência de treinadores ou aparelhos de sustentação de peso. Ao se movimentar no chão, foi necessário o auxílio de um andador com rodas e a ajuda de um assistente para facilitar o controle das passadas e do peso corporal.
O paciente conseguiu dar 331 passos, andar 102 metros e caminhar por 16 minutos com alguma assistência.
Christina de Brito, fisiatra do Hospital Sírio-Libanês que não teve participação na pesquisa, afirma que a estimulação elétrica em casos de lesões completas é utilizada para ativar a musculatura —evitando encurtamento de fibras e fazendo movimentos que eram habituais— e para aprimorar os músculos para possíveis recursos terapêuticos futuros. O que precisa evoluir na prática clínica, segundo ela, é a funcionalidade do estímulo, como a apresentada no estudo.
“Agora começa o verdadeiro desafio, que é entender como a caminhada aconteceu, por que e quais pacientes conseguirão se beneficiar”, afirmou Kristin Zhao, cientista também responsável pelo projeto.
Segundo os pesquisadores, ainda são necessários estudos mais amplos e com mais pacientes para determinar a validade e a eficácia do uso associado de terapia multimodal e estimulação elétrica.
Apesar da ressalva de que é preciso cuidado para não generalizar um relato de caso como possibilidade de tratamento para todos, Brito diz que se trata de uma boa notícia. “Abre-se uma perspectiva, uma possibilidade.”
A pesquisadora do Sírio-Libanês também aponta para possibilidades terapêuticas futuras relacionadas a exoesqueletos, que, mesmo com as evoluções tecnológicas recentes, ainda são pesados e não tão funcionais. “Eles não funcionam com você vestindo e saindo andando, como imaginamos para o futuro.”