O garoto Richardson, de 12 anos, chegou ao hospital em Montes Claros, no Norte de Minas, com um quadro muito grave: um tumor cerebral maligno (meduloblastoma). Esteve entre a vida e a morte. Passou por uma cirurgia delicada e sobreviveu. Com o mesmo tipo de tumor e quadro igualmente delicado, Gustavo, de 9 anos, foi operado em um centro especializado de São Paulo. Além de serem acometidos pela mesma doença, as duas crianças têm algo em comum: ambos foram salvas graças aos avanços da neurocirurgia. A especialidade mostra seus benefícios, preservando e melhorando a qualidade de vida, tanto nos grandes centros como em cidades do interior do país.
“Antigamente, éramos distantes dos Estados Unidos e da Europa. Hoje, o nível do neurocirurgião brasileiro é o mesmo de um profissional americano ou europeu”, afirma Sebastião Nataniel Gusmão, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN) e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Praticamente, tudo que é feito na Europa e nos Estados Unidos, em termos de neurocirurgia, é feito, atualmente, no Brasil”, completa o especialista.
Gusmão salienta que a realidade brasileira já foi bem diferente. “Há quatro décadas, para ter uma boa formação na área de neurocirurgia, a gente tinha que sair do país. Atualmente, podemos nos orgulhar da neurocirurgia brasileira, que é top no mundo. Temos vários neurocirurgiões brasileiros que são considerados referências e são respeitados mundialmente, pois fizeram trabalhos inovadores”, comenta ele.
O professor da UFMG e ex-presidente da SBN destaca que os fatores que mais contribuíram para o avanço nas cirurgias neurológicas foram a importação de novas tecnologia e a dedicação dos profissionais brasileiros. Ele salienta que as melhorias verificadas na área trouxeram ganhos para todos os pacientes, incluindo a clientela do Sistema Único de Saúde (SUS). “Às vezes, no SUS as coisas são um pouco mais complicadas, devido às exigências do sistema. Mesmo assim, temos bons serviços que fazem bom atendimento pelo SUS. Hoje, podemos oferecer uma assistência muito melhor e tratar doenças que, antigamente, era de difícil de controlar. Assim, podemos salvar muito mais vidas”, avalia.
O menino Gustavo Moraes de Oliveira, de 9 anos, entra na estatística dos milhares de brasileiros salvos pelo avanço tecnológico da cirurgia neurológica e da melhoria da assistência. Em fevereiro de 2016, ele esteve com um quadro muito difícil, ao ser diagnosticado com um tumor maligno (meduloblastoma) no cérebro. Em função da lesão, ele teve hidrocefalia (liquido no cérebro), passando, inicialmente, por atendimento no Hospital São Paulo, na capital paulista. O garoto foi encaminhado ao Grupo de Apoio e ao Adolescente com Câncer (GRAACC), hospital de excelência, também em São Paulo, onde foi submetido a uma moderna cirurgia para a retirada do tumor. Hoje, ele se recupera bem.
“Junto com Deus, o avanço da tecnologia e do conhecimento médico foi que salvou meu filho”, afirma a psicóloga Cátia Maria de Moraes Oliveira, mãe de Gustavo, que mora em Diadema (SP). A criança foi operada pelo neurocirurgião Sérgio Cavalheiro, referência na área de neurocirurgia na América Latina. Com dezenas de artigos científicos em periódicos estrangeiros, Cavalheiro é responsável pelo desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas.
O GRAACC conta com equipamentos de última geração, dispondo de uma sala de cirurgia oncológica cerebral, considerada uma das mais modernas do mundo. Foi a primeira instituição especializada em oncologia pediátrica da América Latina a ter um equipamento de ressonância magnética dentro do centro cirúrgico, que dispõe de outros equipamentos de última geração para cirurgia neuro-oncológica. Foi na moderna sala que ocorreu a cirurgia em Gustavo. O hospital especializado é filantrópico e a maior parte do seu custeio é bancado com recursos de doações.
QUADRO COMPLICADO
O menino Richadson Patrik Ferreira Borges, de 12, também passou um quadro complicado. Em 10 de novembro de 2016, chegou ao hospital e foi operado às pressas, ao ser diagnosticado com um tumor cerebral maligno, um meduloblastoma. A condição dele era muito parecida com a enfrentava por Gustavo (também apresentava hidrocefalia), com risco de morte. A diferença é que Richardson passou pela cirurgia na Santa Casa de Montes Claros, no Norte de Minas. Hoje, após o término da quimioterapia, o menino segue em recuperação.
A mãe de Richardson, a dona de casa Lilian Ferreira Borges, diz que quando levou o filho ao hospital não imaginou que ele estivesse com uma doença tão grave. “Foi muito difícil. Os médicos disseram que ele poderia morrer durante a cirurgia”, declara Lilian. “É Deus, por meio do conhecimento do homem e dos médicos, que permite a melhoria e o prolongamento da vida. Agradeço muito pela vida do meu filho”, completa o servidor publico aposentado Carlucio Borges, pai da criança.
“Temos equipamentos no mesmo nível técnico e científico dos grandes centros. Conseguimos fazer cirurgias aqui com excelência em diversas áreas da neurocirurgia. Hoje, são pouquíssimos os casos que a gente tem a necessidade de levar para os grandes centros para a resolução, pois Montes Claros está entre os melhores centros de neurocirurgia do país”, afirma o neurocirurgião Gustavo Veloso Lages, responsável pela cirurgia de Richardson.
Também na Santa Casa de Montes Claros, foi “salvo” Everton Santos Soares, de 8 anos. Ele foi acometido por uma doença grave na coluna (linfoma de Burkit) e os próprios médicos acreditavam que ele teria chance de voltar a andar. A criança foi submetida a uma cirurgia de descompressão medular e artrodese, com parafusos na coluna torácica, feita pelo neurocirurgião César Felipe Gusmão. Voltou a andar e agora retoma suas atividades normais.
“Teve um dia que os médicos disseram que nosso filho estava nas mãos de Deus. Fiquei desesperado, achando que não tinha mais jeito. Hoje, agradeço muito a Deus e ao doutor César por ter se dedicado bastante. Se não fosse ele, o meu filho não teria sobrevivido”, afirma o autônomo Erivaldo Nascimento Soares, pai de Everton, que mora em Coração de Jesus, pequeno município do Norte de Minas.
“A criança ficou paraplégica por meses e voltou a andar quando praticamente não tínhamos mais expectativas. Isso foi excepcional. Eu, enquanto médico e ser humano, presenciei algo grandioso”, testemunha César Felipe Gusmão. Ele já fez outros procedimentos delicados na Santa Casa de Montes Claros, como a cirurgia para retirada do tumor cerebral e lesão de metástase, mantendo o paciente acordado (craniotomia).
Exemplo de união
A união faz a força e salva vidas. Neurocirurgiões e neurologistas de Montes Claros decidiram se unir para melhorar o atendimento aos pacientes. Foi formado na cidade um grupo de 10 neurocirurgiões e cinco neurologistas. Eles se reúnem semanalmente e discutem sobre os casos, buscando um consenso sobre a melhor conduta para o tratamento de cada paciente, principalmente, os casos que demandam cirurgias delicadas.
Um aspecto do grupo é que, embora tenha sido criado na Santa Casa de Montes Claros, envolve os neurocirurgiões que atuam em outros três hospitais da cidade. Além disso, são discutidos os casos de todos os pacientes, independentemente de serem atendidos pelo SUS, particulares ou de convênios. Na Santa Casa de Montes Claros (maior hospital do Norte e Minas), segundo um dos médicos, são realizados em torno de 1 mil cirurgias neurológicas por ano, das quais mais de 85% pelo SUS.
Integrante da equipe, o neurocirurgião Gustavo Veloso Lages ressalta que os profissionais do grupo se subespecializaram em determinados procedimentos, incluindo cirurgias oncológicas, cirurgias da coluna espinhal e neurocirurgia pediátrica. “Com a subespecialização, se consegue as áreas e cada profissional foca naquilo que tem mais espertíse. Com isso, se consegue melhores resultados. Quem sai ganhando é o paciente e o sistema de saúde. O médico tem a satisfação de ver o paciente melhorar”, considera Lages.
Entrevista
Sérgio Cavalheiro, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica (SBNSPED) fala sobre novas técnicas de tratamento de doenças neurológicas
Nos últimos anos, houve avanços da neurocirurgia no Brasil, com as novas técnicas cirúrgicas. O senhor é um dos principais mentores desses avanços. Quais são as principais técnicas que desenvolveu?
Os avanços na Neurocirurgia têm contribuído para uma melhoria da sobrevida e da qualidade de vida de vários pacientes. Esses avanços tecnológicos aconteceram em diferentes áreas da especialidade. Nos limitaremos aqui na área de neurocirurgia oncológica. Na área de oncologia pediátrica, realizamos vários avanços. Um desses avanços, em que fomos pioneiros, foi o tratamento para craniofaringioma cístico com interferon. Esse tumor cresce na região da hipófise e hipotálamo. A cirurgia para remoção desse tumor pode acarretar severos déficits hormonais, obesidade e cegueira. Temos controlado esse tumor com a injeção de interferon. Com essa técnica, conseguimos controlar 71% dos pacientes sem a necessidade de cirurgia e, por conseguinte, sem acarretar esses déficits. Nos tumores do tronco encefálico, temos desenvolvido acessos cirúrgicos seguros, capazes de nos permitir remover os tumores dessa região sem causar déficits neurológicos. Essas são algumas das técnicas cirúrgicas que desenvolvemos.
Como o Brasil se encontra na área de técnicas cirúrgicas em relação a outros países?
O Brasil encontra-se na vanguarda da técnica cirúrgica. Porém, do ponto de vista tecnológico, infelizmente, todo o desenvolvimento demora no mínimo 10 anos até ser incorporado no nosso país.
Quais têm sido os principais ganhos para os pacientes com o avanço tecnológico na neurocirurgia?
Os grandes avanços tecnológicos que ocorreram na neurocirurgia foram os exames de imagem e a possibilidade da utilização dessas imagens para navegação dentro do cérebro dos pacientes. Com a utilização de verdadeiros GPS cerebrais, podemos acessar tumores e outros alvos em qualquer parte do cérebro. As ferramentas para a remoção dos tumores também evoluíram muito. Hoje, podemos contar com aparelhos que emitem sons de alta frequência e tecnologias que facilitam o acesso e oferecem visibilidade tridimensional da área com tumor, tornando a cirurgia, menos invasiva, mais segura e precisa.
O senhor poderia detalhar alguma nova técnica, como é feita, em casos mais delicados de cirurgias no cérebro, para que possamos fazer uma infografia?
Nesse caso que vou relatar, a paciente apresentava um volumoso tumor no tronco encefálico. Mas o uso do neuronavegador e do microscópio de alta resolução, que são equipamentos de última geração, permitiu o acesso exatamente na área do tumor. Com o uso do aspirador ultrassônico, que também faz parte dos equipamentos de última geração que utilizamos no centro cirúrgico do GRAACC, conseguimos remover totalmente o tumor sem causar déficits neurológicos. O tumor era benigno e a paciente foi considerada curada após a remoção total do tumor.
Fonte: Uai.com.br