Quando entrou no bloco operatório do Hospital CUF Porto, Otília Gonçalves, 76 anos, tinha “dores insuportáveis” na perna esquerda, provocadas por problemas na coluna. Já tinha sido operada uma vez, mas as dores persistiam. Há duas semanas, foi submetida a uma cirurgia de descompressão da coluna – um midlif -, que teve a particularidade de ser a primeira feita naquela unidade hospitalar com o O-arm2, uma tecnologia que permite obter imagens 3D em tempo real e em vários planos, no bloco, reduzindo as complicações. É como se fosse um GPS, que permite aos médicos saber exatamente onde estão durante a cirurgia.
É semelhante a um aparelho de TAC, mas mais pequeno e portátil. E tem a forma de um O, daí a designação de O-arm. Embora todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde estejam equipados há vários anos com navegação cerebral, poucos têm este sistema para cirurgias da coluna. “O Hospital CUF é único no Norte que tem navegação de coluna e cérebro”, assegura o neurocirurgião Rui Vaz. Segundo o especialista, o Hospital Garcia de Orta e a clínica Sanfil, em Coimbra, são as únicas unidades onde este sistema – cujo preço ronda os 650 mil euros – também é usado para o tratamento cirúrgico à coluna.
Otília Gonçalves “tinha um aperto do canal vertebral com desvio lateral de vértebra e escoliose significativa”. Era necessário “descomprimir” o canal, colocar parafusos e fixar as vértebras. “A navegação na cirurgia da coluna permite-nos mais rigor na colocação dos parafusos. Vemos exatamente o que estamos a fazer”, explica o especialista, que também é diretor do serviço de neurocirurgia do Hospital de S. João. Enquanto com a técnica normal a taxa de parafusos mal colocados varia, em média, entre 10 e 30%, com a navegação é reduzida para 1 a 2%”.
Na sala, dois neurocirurgiões – Rui Vaz e Paulo Pereira -, uma instrumentista, um anestesista, uma enfermeira anestesista, uma enfermeira circulante, um técnico de imagem, um técnico da empresa Medtronic e a equipe do jornal DN. Antes de a cirurgia começar, todos se afastam para a aquisição de uma imagem tridimensional da coluna da paciente, um modelo informático sobre o qual os cirurgiões vão operar.
“Até aqui fazíamos com controlo de raio x, mas assim acompanhamos o trajeto enquanto colocamos os parafusos”, explica Rui Vaz, profissional com 30 anos de experiência, que compara o sistema à navegação marítima. “Antigamente, navegava-se com instrumentos arcaicos, hoje sabemos exatamente onde estamos e o que estamos a fazer”. Além de reduzir a probabilidade de parafusos mal colocados, ” há a vantagem de poupar na radiação a que estão submetidos os doentes e os cirurgiões”.
Num ecrã vê-se a imagem tridimensional da coluna e, em diferentes cores, os instrumentos. “O computador sabe a posição exata de cada instrumento que usamos”, explica Paulo Pereira, de olhos no microscópio cirúrgico. Se há um desvio, por exemplo, os médicos conseguem corrigir. Num outro ecrã surge a imagem da coluna através do microscópio. “A quantidade de sangue parece grande ao microscópio, mas é desprezível”, assegura Rui Vaz. Ouvem-se martelos, brocas. Paulo Pereira procura, através da imagem, o melhor sítio para colocar os parafusos.
O facto de a paciente já ter sido submetida a uma cirurgia fez com que a operação fosse mais demorada: “A anatomia estava distorcida pelo material que tinha sido colocado e pelo tecido cicatrizado”. Mas correu bem. Dois dias após a intervenção, Otília disse que se sentia “muito bem”. “Este pós-operatório está a ser menos doloroso”, garantiu.
Não se trata de uma revolução, assegura Rui Vaz. “No SNS sempre se fez e continua a fazer-se cirurgia à coluna sem O-arm, só que com uma taxa de falência e uma dose de radiação maiores”, explica. É, sim, um “upgrade, um pequeno passo”. Este O-arm2 será mesmo, segundo o médico, único no País: “É mais rápido, tem melhor definição de imagem e menor dose de radiação”.
Nas cirurgias ao cérebro não há colocação de parafusos, mas esta tecnologia permite “uma segurança muito maior na localização dos tumores e lesões profundas”.
“Parecia uma sala da NASA”
Aos 57 anos, José Henrique Oliveira já não conseguia passar muito tempo sentado, a andar ou até mesmo conduzir. “Um dos discos da região lombar estava danificado, o que levou a incapacidade e dor permanente”, explicou Rui Pinto, coordenador da ortopedia no Hospital CUF Porto. José foi operado no dia 24 de março, com recurso ao O-arm2. No dia seguinte estava em casa. “Foi espantoso. A medicina evoluiu muito. Parecia que estava numa sala da NASA”, recorda o doente.
Habitualmente, explica o médico, é feita uma imagem no início e outra no fim da cirurgia. “Numa situação deste tipo fazíamos cerca de 10 disparos de raio x”, adianta. Com o O-arm2 “é quase como ter a coluna real”, pois fornece uma imagem 3D.
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