A história se passa no pequeno Hospital Anupam, na cidade de Rudrapur, na Índia, próximo à fronteira com o Tibete. Esse foi o local eleito para um polêmico experimento para tentar reviver o cérebro de pessoas com morte cerebral.
O grupo do cirurgião ortopédico e pesquisador indiano Himanshu Bansal conduzirá a pesquisa no local. O projeto deve durar em torno de um ano.
Os “voluntários” serão 20 pacientes que tiverem morte cerebral diagnosticada e passarão por intervenções –como injeções de células-tronco e um coquetel de “reprogramação” celular– com o intuito de regenerar e recuperar (mesmo que parcialmente) a função do órgão ao longo de duas semanas.
Os pacientes deverão estar com diagnóstico de morte cerebral de 8 a 24 horas antes de os testes começarem.
O novo estudo também tem participação americana, da empresa de biotecnologia Bioquark, e está devidamente registrado como um ensaio clínico –como aqueles necessários para a aprovação de novas drogas contra o câncer.
A diferença óbvia é que no caso em questão os pacientes já morreram, e isso facilitou na hora de registrar o ensaio. O projeto passou por um comitê de ética local e independente da região do hospital e foi beneficiado pela ausência de uma legislação específica que tratasse de estudo com esse perfil de voluntários.
Para Bansal, mesmo que só uma pequena fração dos pacientes saísse do estado de morte cerebral para qualquer nível de consciência, ainda que o paciente permanecesse em coma, seria uma quebra de paradigma.
Ele diz que há grande variabilidade das normas que caracterizam a morte cerebral entre os países. “Pode soar engraçado, mas queremos provar que a Índia pode ser exemplo na área médica e provavelmente todo o mundo vai seguir as nossas diretrizes de definição de morte cerebral”, afirma.
A classificação para definir uma morte cerebral é debatida em diversos países, incluindo o Brasil. Um exemplo que gera controvérsia é o teste de apneia, que consiste em desligar a ventilação artificial para ver se há algum reflexo respiratório. O problema é seu alto índice de mortalidade devido a complicações cardíacas, na casa de 25%.
Quanto à nova tentativa de reviver cérebros, apelidada de “Dead Man Walking”, Bansal disse à Folha que não enxerga espaço para críticas.
“Após o diagnóstico de morte cerebral, há espaço para que as células sejam rejuvenescidas e que a pessoa volte a ter respiração espontânea e atividade elétrica no cérebro. A pessoa tem chances não desprezíveis de recuperar a consciência.”
Não é o que pensam profissionais como o neurocirurgião André Gentil. “O estudo é um desrespeito aos anos de empenho da comunidade científica na definição cuidadosa de morte cerebral e não segue normas básicas de metodologia científica”, afirma.
JEITÃO DE ÓVULO
Curiosamente, apesar de ser um estudo em seres humanos, não houve teste prévio em animais –Bansal diz que o motivo é não haver um conceito estabelecido do que seria morte cerebral em animais menos complexos.
A lógica em que apostam os cientistas e patrocinadores da pesquisa é a de métodos que promovem regeneração e reparo tecidual.
Uma delas é o tratamento com células-tronco –coletadas da gordura e da medula óssea do próprio voluntário. Outra é a estimulação do nervo mediano do antebraço, técnica auxiliar para tentar recuperar a consciência de pacientes em estado de coma.
Já a estimulação com laser visa aumentar a produção de ATP –molécula que fornece energia para que a célula realize suas funções- nas mitocôndrias (organela responsável por essa função).
Com mais energia, teoricamente, os neurônios moribundos teriam a possibilidade de recuperar sua função –há estudos que mostram que ele é capaz de melhorar o grau de alerta em pacientes que estiveram em estado de consciência reduzida.
Apesar de as células-tronco serem o tratamento favorito de Bansal, por causa de sua maior experiência com elas, o mais inusitado é o uso do produto Bioquantina.
Trata-se de uma solução cujo objetivo é fazer células “voltarem no tempo” e se tornarem algo próximo de um oócito (célula que dá origem ao óvulo). A bizarra origem do produto? Oócitos de anfíbios.
A proposta é que o extrato seja capaz de reprogramar as células para um estágio pluripotente –capaz de se transformar em vários tipos celulares diferentes.
No entanto, ainda não há um número substancial de estudos prévios que justifiquem algum otimismo nessa aplicação da Bioquantina.
“Em nossa abordagem, certamente não haverá uma única solução mágica. Qualquer teste usando apenas uma droga seria provavelmente inútil”, diz Bansal. Para ele, a intervenção para reviver um cérebro seria análoga ao tratamento mais moderno contra Aids, baseado em um coquetel de medicamentos.
Fonte: Folha.com